29.6.08

Me olhava e repetia com uma certa indulgência: Seja mais calma, você precisa ser mais calma!
E molhava o biscoito no café quente, com tanta delicadeza que bastava eu congelar a imagem pra entender o que me pedira.

dá o play!

13.6.08

Depois de conversas intermináveis, remendos e tentativas de desatar os nós internos, ela lhe fez a pergunta que ele tanto temia, olharam-se com tanta intensidade, como se tentassem decifrar o que os passantes dali não enxergariam nunca; como se num piscar de olhos tudo fosse simples e passível de qualquer mudança; não deram nenhum passo, que era pra não demonstrar qualquer nervosismo ou cair numa ação impensável, por um segundo, o silêncio em volta não guardava sequer um segredo; ambos sabiam que dentro é como um buraco interminável.
E um simples gesto parecia suprir o que estaria posto como inacabado.

Balançou a cabeça num gesto de negação e a naquele mesmo instante, ele a deixou ali, naquela noite quase dia; caminhou cabisbaixo sem olhar para trás, porque olhar para trás era retroceder sem hesitação.

No dia seguinte, sabia que as noites frias caminhariam num solipsismo aceitável e que dele, surgiriam sentimentos genuínos, uma felicidade talvez.

dá o play!

7.6.08



Carta para um amigo:

Caio, mais uma vez pauso o meu tempo pra escrever pra você, contar das coisas de cá, de como seguem os dias nessa cidade de muitos altos.
Bem sei que vivermos em busca de firmamentos e os meus ainda não os tenho por completo, pelo menos até então, mas os que tenho me instigam a cada x marcado no calendário; é óbvio que incertezas sempre me assustam, são obscuras e silenciosas, às vezes sonsas, mas fiz alguns acordos comigo mesma e um deles é pensar o ontem como passado aliviado, os dias caminham lentamente em concretudes sutis, como se tivessem me dado a planta de uma casa e cada tijolo posto, é um muro de apoio que vou visualizando, e apesar de tudo, “não arredei o pé das minhas convicções básicas”, aliás, não as deixo de lado, em momento algum, não mais! O momento agora é de cultivar um certo egocentrismo, de olhar para o próprio umbigo, conversar com os botões e cuidar da própria sombra. Por vezes cansa carregar certos tijolos, amontoar, acimentar, firmá-los... tenho tido paciência com a lentidão de algumas coisas, que você e eu, meu amigo, - apaixonados por astrologia - chamaríamos de intriga de Saturno ou resolução kármica, pois há determinadas situações que precisam que sejamos tolerantes e amigos do tempo e como você mesmo diz, “claro, o dia de amanhã cuidará do dia de amanhã e tudo chegará no tempo exato”.
Mas deixemos as reclamações melodramáticas de lado e falemos de coisas boas.
Belo Horizonte é uma cidade cheia de belezuras que faz a gente bater o pé e não querer sair dela. Há coisinhas bonitas feito cidadelas, interiores e uma urbanização tentando devorar tudo em volta, mas Belo Horizonte me parece persistente, que briga com o crescer globalizado de um jeito todo acanhado, manso e quieto. E nela encontramos na rua das sombras, o lugar certo pra descansar as nossas fúrias, colorir do nosso jeito e decorar do nosso gosto. Os quadros ficaram bonitos, a sala é tão ampla que dá até pra promover grandes eventos nela; o banheiro é grande e tem um box enorme que me faz pensar que estou tomando banho no banheiro do gigante do João do pé de feijão; temos um fogão novo para fazer café e cozinhar para os vizinhos da rua Dr. Jarbas Vidal... e agora somos três, um moço pra equilibrar os hormônios femininos da casa e levantar o dedo na hora de votar se no som toca Samba ou Radiohead. Há uma igreja aqui pertinho, onde o sino toca de hora em hora, um som um tanto melancólico mas muito bonito.
Depois de anos morando sozinha, é hora de reaprender a conviver com gente dentro de casa, respeitar o sono do outro, a privacidade e até os dias de mal-humor; é preciso se permitir viver novas situações e tentar tirar delas as melhores experiências possíveis.
Ah, meu amigo, recentemente consegui um emprego e recentemente saí do emprego, em uma livraria e editora, onde eu ficava arrodeada de livros fascinantes, trabalhando minha enorme compulsão por comprar livros e minha minúscula paciência com um trabalho de quase nove horas me impossibilitando de estudar para o tal mestrado, entre outras coisas; eu tinha cansaço e dores no corpo, a pele inflamada de tanto estresse, eu saía com os amigos e bem dizer dormia na mesa de bar, não de porre, mas de puro cansaço mesmo. Lembrei das suas cartas escritas de Estocolmo, e algumas coisas ditas nela me serviam de mantra, como, “acho que estou vivendo uma baita experiência: o orgulho e a vaidade que eu pudesse ter têm escorrido pelo ralo da pia, junto com a água e o detergente das panelas. No mínimo, é um tremendo exercício de humildade – e eu me sinto mais forte, mais humano”. Com o emprego ganhei um pingado de amigos lindos e um bom dinheiro, com o mesmo comprei algumas coisas para a casa nova, um tapete colorido, cabides e mais um amontoado de miudezas necessárias para o dia-a-dia, dei um banho na gata, pensando que se é pra mudar, façamos uma limpeza geral! Agora tudo bilha, tem cheiro de casa limpa; acendemos incensos quase todos os dias, para equilibrar as energias que carregamos de fora, dos outros, dos olhos gordos às vezes imperceptíveis. Ok Caio, eu tô sim cheia de cismas! Mais do que as de costume, mais do que as necessárias, mas quem não tem? Talvez eu precise de doses menos exageradas. E com isso, faço alguns exercícios pra relaxar algumas angústias, cismas e ansiedades. Trabalho a respiração antes de dormir e tenho caminhado no calçadão de uma avenida arborizada e movimentada, vejo pessoas bonitas, cultivo uma rotina que até possibilita que eu já comprimente um e outro que caminham na mesma hora, também o vigia da casa mineira, o rapaz da locadora, o mendigo que acende uma fogueira para se aquecer toda noite na esquina aqui de casa, a vendedora da padaria... e... é isso!
A rua Cardeal Stepinac - mais precisamente rua das sombras – agora acomoda um aglomerado de felicidade, outras impossíveis de descrever aqui. “E tudo por aqui, na verdade, vai bem. Pulo os poços, quando pintam - e como pintam! Mas não vou abrir mão de um pouco de alegria”.

beeeeela música. dá o play!