6.11.10

Você voltaria a morar "na cidade onde enterraram o seu umbigo"?

Sempre que mudo de uma cidade para outra sou coberta por uma esperança indescritível, fico cega, surda e muda, e ao mesmo tempo enxergo beleza nas coisas mais sutis, no caos, no fluxo, nas luzes, nas pessoas, na riqueza e até na pobreza urbana, tudo me deixa maravilhada!
Fazer novos amigos é um tanto assustador e trabalhoso, mas de repente aquela chateação de contar sua vida tim tim por tim tim, até ganhar a aprovação do outro passa despercebida. Logo seu telefone não pára de tocar, é gente chamando para um bar, para dançar e lá está você, feliz ao redor de pessoas que até então eram desconhecidas.
Com o passar do tempo a cidade vai tomando outra forma, ficando pequena demais, acelerada demais, e viver nela é como desembrulhar um fardo diariamente.
Aí vem aquela sensação de retrocesso, quando na verdade você só buscava acertos ou apenas um lugar tranqüilo e feliz para viver, mas de repente você se depara com a deprimente possibilidade de não ter feito a escolha certa. Esse não é o local onde quero morar!
É como diz Caio Fernando Abreu, “você não sabe, mas acontece assim quando você sai de uma cidadezinha que já deixou de ser sua e vai morar noutra cidade, que ainda não começou a ser sua. Você sempre fica meio tonto quando pensa que não quer ficar, e que também não quer - ou não pode – voltar.
Sair de uma cidade por escolha própria é sem dúvida ter a absoluta certeza de que ela já não é mais sua, de que você tem sede do novo e de maiores possibilidades. Para muitos, voltar é como assinar o atestado de erro, de fracasso. Você fracassou! E sempre vai ter alguém pra dizer: eu avisei!
O fato é que aqui no Brasil toda cidade é igual! Uma cidade pequena tem as mesmas falhas e confortos que outras cidades pequenas. Uma cidade grande caminha e cresce na ambição, na pausa ou rapidez de toda cidade grande.
Você pode até revisitar lugares em que foi absurdamente feliz, mas dificilmente as pessoas voltam a viver "na cidade onde enterraram o umbigo", por questões extremamente óbvias. Já não há novidade ali! E quando a outra cidade também deixa de ser novidade, quando você percebe que nas festas estão sempre as mesmas pessoas; no restaurante em que almoça tem sempre as mesmas comidas; que os sotaques são todos arrastados cada um do seu modo; que todo bairrista é fanático e defende uma imagem que quase nem sempre existe; que os excessos e carências são os mesmos...
Lembre-se, quando a noite cai e o sono se perde no embrulho do fardo, há sempre um sol brilhando do outro lado do mundo

27.8.10

é tempo de saturno rondando o jardim, regando as sementes semeadas e saudando os beija-flores.
não há muito o que colher! escondo dele alguns jarros para que não regue com antecedência o que é para ser colhido somente na outra primavera, com flores de intensas cores e ar palimpséstico.

23.8.10

faço meus planos debaixo dos panos.
alegrias e tormentos tudo embalado em papel de cetim, alguns pacotes jogados ao lixo, outros remexo e acobo por achar perdidos em cantos empoeirados da casa.
a vizinha insiste em saber das coisas de cá, vejo em seus olhos um mar de curiosidades, quase não pisca para que não deixe escapar qualquer novidade.
e essas são tantas.
mas numa visão bem benjaminina, um segredo deixa de ser segredo quando é contado à outrem.
o que pode escapulir feito rebento é que a alegria de cá tem essência de chá verde.
e os planos debaixo dos panos são tricotados em lã macia de tons bem claros.

pois felicidade é um trocinho que só cabe a mim.
ou em mim.

18.8.10

- alento -

“Quando mais nada houver
eu me erguerei cantando,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.

E numa louca corrida
entregarei meu ser ao ser do Tempo
e a minha voz à doce voz do vento.

Despojado do que já não há
solto no vazio do que ainda não veio,
minha boca cantará
cantos de alívio pelo que se foi,
cantos de espera pelo que há de vir.”

aspas de caio fernando abreu.

3.3.10

do nono andar

noite de chuva,
melancolia que desce ladeira no desaguar.
leva de tudo,
galhos, sujeira, pó e folhas secas.
seu rosto.
o reflexo da lua brilha como um espelho,
de longe, suas homogêneas lágrimas no meio das águas.
degelo.

1.3.10

Belo Horizonte já não me apetece.

Bastei das ladeiras e passos de um povo devagar!
Cansei das ruelas em asteriscos mal projetados, da tentativa de metrópole inacabada e dessa desconfiaça alheia.
Belo Horizonte nunca vai deixar de ser um projeto "do querer sempre mais".
Centros culturais rasgando a praça mais bela e o mineiro batendo palma feito menino da roça que vê um parque de diversão pela primeira vez.
Cidade do preço nunca posto, a mercadoria vale o valor da sua vestimenta, e o conselho é: para fazer compras e sair de bolso cheio, basta uma havaiana no pé que o mineiro terá piedade. A famosa hospitalidade camuflada...
Enjoei do sotaque fanhoarrastado, com palavras engolidas e português amarrado.
Quero uma metrópole de vergonha, uma cidade extremada, que não vista uma capa urbana de caixas de concretos e multidão aglomerada, quero a coisa escancarada, que flua ou pause num fluxo de verdade.
Não quero um lugar em que você é o time que você torce. Eu sou muito mais que caipiras com a bola no pé.
Eu quero muito mais do que esta cidade me oferece!

E dos dedos que preenchem as mãos, apesar de tudo, como toda cidade que cansa, Belo Horizonte tem sua exceção! mas, já deu o pouco que tinha que dar!