26.4.08

Quando decidiram morar juntos, era verão de um amarelo alaranjado intenso, e as noites seguiam com muitos copos de cerveja e brisa entrando pela janela. Qualquer coisa era motivo de comemoração.
Tudo era novidade e caminhava feito sentimento buliçoso; casa nova, os móveis, as comidas feitas com livros e mais livros de receita ao lado. Ele adorava fazer surpresas e as deixavam soltas pela sala, quarto, armários; havia bilhetes no espelho, poeminhas debaixo do prato na hora de servir o jantar; flores no banheiro, na varanda, na cozinha, revelando o sumo da escolha deles.
Mas já faz um tempo que ele não é mais o mesmo, senão, desde o último inverno; ele acordava tão cedo que a manhã ainda se arrastava na escuridão da madrugada, quando até mesmo os pássaros permaneciam adormecidos. E ela continuava na cama, era um ritual simples e incansável.
O cheiro de café entrava por debaixo da porta, junto com a luz do sol, num movimento e lentidão tão bonita, que parecia haver poesia nos degradês de cores que refletiam na vidraça da janela anunciando o dia.
Ele entrava em silêncio, cheio de trejeitos e enfiava as mãos - ainda quentes da caneca de café - por debaixo da coberta, esquentava os dedos dos pés dela com tanta delicadeza que mais parecia um sonho. Ela esticava o corpo cheio de preguiça, numa vontade não querer sair dali. Fazia isso diariamente porque gostava de vê-la espreguiçar.
Tomavam café juntos enrolados no edredom, falavam e planejavam o dia que seguiria nos ponteiros do relógio, tangível e apressado.
E levantavam já na ânsia de que a noite se deparassem novamente ali, debaixo do edredom.

Mas já faz um tempo que ele não é mais o mesmo, senão, desde o último inverno.
De lá pra cá o sol anuncia o dia na vidraça empoeirada, num movimento arrastado, vagaroso e ainda assim, singelo.
E ela observando ele, os trejeitos dele e toda a necessidade de preenchimento em volta; ele já não a olha como antes e quando olha, fita-a com um par de olhos pesados e melancólicos, há um vazio, um silêncio e uma ausência que o cobre debaixo do edredom, ainda num ritual simples, porém cansado.

ok, acho que já é bem a quinta vez que boto essa música como BG. dá o play!

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