14.5.06

missiva.

eu cheguei lá em forma de envelope.
um papel com textura macia e de um azul clarinho bonito.
o carteiro deve ter entregue pessoalmente; e só ele pôde ver aquele sorriso bonito estampado no rosto dela, naturalmente os olhos ficaram apertados de alegria e a face corada, como ficava quando a timidez me permitia desabrochar sentimentalidades, mesmo que confusas ou certeiras demais, porque nem sempre eu guardava tudo que sacudia, mas vez ou outra eu recuava algumas ações, pra evitar reações negativas. funcionava, funciona.
ela desligou o fogo que fervia a água para passar o café fraco e açucarado - ela sempre faz café no meio da tarde - foi para o quarto, sentou na beirinha da cama; o azul das paredes parecia mudar para um azul também clarinho, feito o do envelope, como um degradê, e meio que sem entender o porquê da minha visita... ela me rasgou.
com os mesmos dedos finos e macios que me acariciava os cabelos quando o sono baixava as pálpebras e me fervia os pensamentos. que não passavam por um triz dos pensamentos dela... muito embora eu quisesse.
certamente ela tinha sentimentos sinceros e mais leves que o meu, na certa não sofria como sofro.
e então, ela me puxa sem medo do todo. talvez tenha pensado que eu teria chegado em forma de envelope apenas como mais um dos meus agrados.
e eu cheguei com o cheiro do mesmo perfume que uma certa vez ela disse ser bom.
tudo que tinha por dentro de mim, do azul, foi posto em cor vermelha, pra intensificar o que bulia todos os dias e me faltava o ar.
então ela me segura com toda aquela delicadeza que só ela tem.
presta atenção em mim...
passa pausadamente os olhos bonitos de sempre, com uma única certeza, a de não estar entendendo nada a respeito de minha súbita visita, apesar de eu ter lhe arrancado um leve sorriso a princípio. eu sabia que no começo seria de uma estranheza maior do que a que me possui, mas eu não podia silenciar, não dessa vez.
e com palavras alheias, descrevi o que era fumegante e bonito, de uma beleza que eu jamais poderia partir sem antes dizer:

"que coisas são essas que me dizes sem dizer, escondidas atrás do que realmente quer dizer? tenho me confundido na tentativa de te decifrar, todos os dias. mas confuso, perdido, sozinho, minha única certeza é que de cada vez aumenta ainda mais minha necessidade de ti. torna-se desesperada, urgente. eu já não sei o que faço. não sinto nenhuma outra alegria além de ti.
como pude cair assim nesse fundo poço? quando foi que me desequilibrei? não quero me afogar: quero beber tua água. não te negues, minha sede é clara
".

e...
eu fui, mas deixei com ela o envelope e tudo que crescia em mim, mesmo que sem o seu consentimento.





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