11.9.07


Carta para um amigo

Caio, já faz um tempo que eu não paro o meu tempo pra escrever pra você.
Talvez eu tivesse esperando um motivo especial ou talvez vários motivos especiais. Como você mesmo disse uma certa vez: “a gente não deve permitir que as cartas se tornem obsoletas, mesmo que talvez já tenham se tornado”.
É setembro, mês bonito e de ventos fortes.
É dia 12, dia todo teu. E a carta é sim para desejar um feliz aniversário! E ainda dizer que “a gente atravessa setembro” e pra nós virginianos isso é sempre motivo pra sorrir. Acredito que já tenhas realizado seu sonho de ser mago... para mim tu és agora um mago e te imagino numa bata cumprida azul clarinho, com teu lenço estampado na cabeça, chinelos e fumando um cigarro, - um mago que fuma cigarros - olhando os transeuntes com ar misterioso, como quem olha e ultrapassa os tecidos epiteliais, adiposos, os músculos e se apossa do íntimo alheio. Bom tentar desvendar o íntimo alheio num simples olhar não é?
Aposto que num dia como hoje você já teria feito seu mapa astral, pra saber onde o bendito Saturno estaria dessa vez...
O meu é de uma beleza de arrancar sorrisos, é tempo de confinamentos que trazem felicidades discretas, sutis; é tempo de produção, escrever, escrever, escrever; tempo de canalizar os karmas que vêm pra tirar o foco de foco; é tempo de egocentrismo barato e um egoísmo um tanto delicado, a gente melhora com esse tal “tempo” não é? Quase consigo ver você repetindo pra mim: “a vida é muito curta e sacrifícios demais simplesmente não vale a pena”.
Chega uma hora que você olha tudo em volta e se depara com um amontoado de coisas erradas, bagunçadas e fora do lugar. Virginianos sofrem com as bagunças, principalmente com as internas... e você que já revirou tanto suas gavetas internas, bem sabe disso. E aproveitando a metáfora, tem momentos que não cabe mais que compremos novos armários ou até mesmo cofres pra guardar o que julgamos ser mais precioso. Aqui dentro está tudo devidamente arrumado agora. Joguei um bocado de coisas fora, quebrei outras, ateei fogo nas que aparentavam ser mais fortes; há gavetas vazias para o que é novo, há gavetas arrumadas para o que merece um lugarzinho bonito.
A gente tá se perdendo todos os dias, pedindo pras pessoas erradas. Mas o negócio é procurar. A gente não se recusar a se entregar a qualquer tipo de amor ou de entrega. Eu nunca vi porque evitar a fossa. Se a fossa veio é porque ela tinha que vir. O negócio é viver ela e tentar esgotar ela”. Me esgotei até a última gota nesse ano ímpar que passou... Com todos os níveis de hipérboles que tenho direito.
Aqui as coisas continuam na mesma ou talvez piores em alguns aspectos. O mundo tá reviradíssimo! Essa coisa de política é o que há de mais nojento que nós humanos podemos “assistir”. A meu ver, a política é a primeira camada do que compõe o que chamamos de ambição. Político me remete muita fúria Caio, muita, entre outras coisas, claro!
Os adolescentes de hoje são meio retardados, se apegam a entorpecentes logo cedo e acham que dominam o mundo, quando na verdade não dominam nem o mundinho ignorante deles. Alguns adultos têm adolescência tardia e caem no mesmo bacanal achando tudo lindo, esquecendo que mais fácil seria usar um nariz de palhaço e blah blah blah blah...
Mas é isso Caio, quando é pra parar um segundo e pensar na presentificação do mundo, dá um nó por dentro, uma vontade de sumir, porque é tudo tão supérfluo e insensível, é uma incapacidade absurda de ter autenticidade e permanência, de se fazer mais humano... e como diz Heidegger, é o tal do Geworfenheit [ser-lançado-no-mundo].
Respeito é humildade. Caio, ninguém mais sabe respeitar hoje em dia, ninguém!
Endureci um pouco, desacreditei muito das coisas, sobretudo das pessoas e suas boas intenções”.
Saturno tem rondado por aqui, de um jeito extremamente calado, não é gritante dessa vez. Vai me levar pra onde a bússola não aponta Nordeste, ou seja, pra onde “eu” quero. Determinei! Tá tudo catalogado!
Não me canso de te ler e de pensar que talvez eu ainda passe mais dois anos matutando tuas palavras... isso muito me alegra, mesmo que seja uma análise de toda a tua melancolia. A gente não se deixa, a gente não se larga, a gente se ama, mesmo tu estando bem longe. Hoje, mesmo que só em pensamento, comprarei um bolo de chocolate bem gostoso igual o que teve no meu aniversário, para tu se deliciar de coisas boas, vou comprar uma garrafa de uísque e te darei de presente um livro da Woolf - para que não seja preciso roubar novamente - ; flores, incensos, um disco da Billie Holiday, um caderno pautado branquinho, branquinho - pra tu rabiscar os teus dramas bonitos -.
E a gente vai sentar na varanda de cá, pra deixar os ventos de setembro nos acarinhar um pouquinho e levar qualquer que seja o tormento, porque sempre há, sempre haverá um triz de tormento, por mais tolo que seja, faz parte dessa coisa de “ser”.
E sem modéstia, somos bons virginianos, que temem Saturno, que vencem Saturno, que conseguem arrumar as gavetas internas e talvez sejamos os únicos, que dessa limpeza nos fazemos melhor.
A gente sabe que aqui, “tudo aos poucos vira dia e vida”.

Feliz aniversário!
Carinho muito, Luana.

escolhi "angie" porque sei que você gostava de ouvir. dá o play

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