12.4.07

Carta para um amigo

Caio, ontem foi um dia bonito aqui. Feliz, nublado, de chuva grossa fazendo som gostoso na janela, aquela vontade de ficar na cama ouvindo o barulhinho bom, se esticando debaixo dos lençóis.
Fui à um lugar em que tudo tudo em volta me lembrava você. Lembrei demais de suas histórias, invenções e transformações.
Era uma casa ampla, com flores, árvores, um cachorro peludo, passarinhos que paravam num galho qualquer para cantar; um homem charmoso sentado à minha frente, careca também, alto, olhos de um verde bonito e bastante inteligente.
Nós falávamos de astrologia, de energia, de sentimentos, de signos, tempo e diversas coisas boas, as ruins também porque não escapam.
Um dia desses eu disse aqui que eu era uma “quase libriana”.
Pois é Caio, conversando com ele eu praticamente confirmei isso. É bom, não é? Eu acho ótimo ser uma “quase libriana”, sinal de que ainda tenho jeito e que por mais que eu carregue um coração compatível para um metro e meio, aqui dentro é vasto e você sabe disso.
E ainda por cima, signo de virgem com ascendente em gêmeos. Sou um pêndulo Caio, sou um pêndulo! Às vezes racional demais, às vezes emocional demais. E quase sempre as duas coisas ao mesmo tempo, o que me causa um enorme rebuliço.
O homem lá virou meu amigo. Não sei se ele sabe disso, mas virou! E foi bom passar uma tarde com ele. Me deu muitos conselhos, me alegrou, parece até que pintou um sorriso no meu rosto que permanece desde ontem. Espero que dure!
As coisas aqui embaixo não estão fáceis Caio. As pessoas estão ambiciosas demais, afoitas, egoístas, se é que você me entende... Ninguém mais pensa em “ser”, só pensam em “ter”, ter mais dinheiro, mais carro, mais viagens, mais romances, mais festas, mais drogas. Fazem do coração uma festa bacana, esquecendo que em toda festa, tem lá seus intervalos. Aqui quem não tem toma do outro, e agora matam na rapidez de um espirro, seja criança, jovem ou velho, numa simplicidade absurda. Dá medo sair de casa!
Tem tanta coisa feia Caio. E os sensíveis ficam perdidos nesse mar, esperando uma onda mais leve para tentar flutuar e criar desenhos em nuvens enquanto bóiam. Mas nem sempre é possível. E às vezes penso e tento, mas “como explicar a eles, que uma coisa pode trazer no seu ser o seu próprio não –ser, ao mesmo tempo”? Não é fácil Caio... não é fácil a menos que a gente queira não é? É, eu até que tenho compreendido com mais facilidade a montar os quebra-cabeças da vida.
O meu mais novo amigo, aquele que passou a tarde comigo, me falou de uma certa felicidade já pintada. Tão colorida e rica que só mesmo numa outra carta pra eu te contar. Ele falou do tamanho do meu coração e eu ouvi com uma certeza de que eu me conhecia, mas não sabia valorizar aquilo tudo, é como se eu esperasse demais dos outros, quando os outros não são como eu, quando na verdade tem de partir de mim... Parecia de vidro o jeito que ele falava do meu coração, um vidro aparentemente frágil, mas é vidro forte, ele disse e eu sei!
E além disso Caio, tem tantas outras coisas boas que não foi somente meu amigo novo quem me disse, mas coisas que eu vejo e tenho buscado.
Parece tolo, mas você, meu grande amigo de tantas leituras, você sabe que eu faço tudo bem lentamente, no meu tempo. Porque nós dois sabemos que cautela é fundamental para uma felicidade plena. E meus dias seguem mais ou menos assim; eu acordo às 6 da manhã para fazer exercícios, tem sido muito bom, sentir o sangue circular pelas minhas veias, transpirar, fico corada e é maravilhoso sentir que “há vida em mim!”, como diz a queridíssima filósofa Viviane Mosé. Meu dia rende e minha disposição mais ainda. Uma felicidade que surge todas as manhãs cedinho.
Arrumei um emprego como professora, não é uma válvula de escape como os que já tentei, mas sim o que eu de fato quero pra mim. Já prometi que com meu primeiro salário irei para a serra, Guaramiranga, você iria adorar o local, não deve ter flores absurdamente lindas como as que você viu em Estocolmo, mas há flores bonitas por lá também. Eu compraria um belo vinho do porto e brindaríamos o amor. Que é o que sustenta nós de coração grande.
E agora neste mês darei uma palestra, "arrodeada" de mestres e doutores, com um certo medo perfeccionista de todo bom virginiano; vai ser uma palestra sobre literatura linguagem e comunicação. Acho que você iria se orgulhar de mim se tivesse aqui pertinho. Como eu sempre me orgulhei dos teus saltos.
E no dia três Caio, viajo para a cidade que você tanto amou e tanto detestou. Também sinto isso por São Paulo, um lugar que me atrai e me reprime ao mesmo tempo. Um lugar que te liberta e te aprisiona. Mas vou tentar aproveitar o frio que tanto gosto, dizem que tem aparecido em dias alternados. Esquecerei o solipsismo que a cidade oferece de graça e tentarei lembrar que “felizes são os que estão fora daqui”.
Vou apreciar a urb. e aproveitar o lançamento da coletânea que eu participei. Parece que vai ser uma festa bonita e alguns amigos soltos por lá prometeram aparecer. Sei que você meu amigo, estará mandando vibrações boas.
Agora a Literatura pra mim tem uma outra importância, que também não cabe aqui nesta carta, mas é exatamente como você disse: “pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta”.
Prometi para o meu amigo novo e agora prometo a você, que deixarei de julgar as pessoas, de ser crítica e teimosa, de ter posse de tudo e de todos, e vou deixar que esse pêndulo entre virginiano e geminiano, a libriana que há em mim tome conta, com amor, muito amor, como todo libriano sabe fazer.
E continuarei rezando toda noite - com a fé que eu aprendi a ter - , pedindo que aqui embaixo todos, veja bem, todos sejam felizes! E que tenham calma no peito, muita calma no peito!

É isso Caio, até dia desses eu achava que aí em cima deveria ser bem melhor que aqui embaixo - ainda acredito nisso - , mas gosto sim dos mistérios e das buscas. Agora com muita fé; mesmo ainda sendo devota de Nietzsche.
E não esquecerei das suas palavras que sempre me confortam, porque “talvez o mal é que a gente pede amor o tempo todo. Não se preocupa nunca em dar amor, sem esperar reciprocidade”.
Acho que agora cheguei a minha essência. E já posso dizer que entendo um pouquinho sobre essa coisa "vida".

Até uma próxima carta meu amigo. Carinho muito, Luana.

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