21.4.07

...........para ler ouvindo bebel gilberto/ tanto tempo............
Foi num carnaval que entendi o sentido do amor.
Era fevereiro. Manhãs de muito sol e noites bem escuras, tempo em que todo amor é posto num triturador, feito carne para ser moída. Depois de triturada você tempera com cebola, sal e batatinha, serve ou faz uma bela de uma comida árabe, com azeite de oliva extra virgem e limão, muito limão.
Foi assim que me senti quando ele saiu por aquela porta. Fiquei como o prato mais simples, para ser comido por qualquer tipo de espécie, pessoas, baratas, formigas, insetos.
Ele naquele corpo bonito, um olhar possuído de uma tristeza que temia o amanhã, tristeza ingênua, como as de crianças que vão a uma loja e ficam confusas sem saber que brinquedo escolher; porque toda criança levaria dois ou mais, mas sempre têm que escolher entre aquele que lhe dá mais prazer ou o brinquedo mais bem visto pelos amigos, aquele que arregala os olhos e provoca desejos.
Eram medos diferentes os que baixavam aquele olhar, um medo de errar, de subir demais ou cair nos abismos escondidos em nós.
Calado, sem peso, parecia tão leve o seu caminhar... pensei em gritar, pedir pelo amor de Deus que me levasse àquela felicidade mapeada dentro dele, igual as que invadiam meus sonhos, cheias de cores, sorrisos e cheiros.
Ele continuou andando, cabisbaixo, determinado, carregando o tal medo que eu vi em seus olhos. Não olhou para trás em nenhum instante, nem mesmo quando descontrolei meu soluçar. Naquele momento parecíamos imãs que se repeliam. Ou havia alguma força do além que ficava no "entre" de nós, impedindo qualquer ação.
Do lado de cá ficou um silêncio fino doendo em meus ouvidos. Naquele carnaval, onde ecoavam nas ruas todos os tipos de músicas, das piores possíveis, mas nada ali era pior do que aquele silêncio agudo alfinetando em meu corpo.
Encostei-me na porta, fiquei olhando ele sumir naquele breu da noite, seguindo o de dentro dele, somente dele.
Olhei a lua como eu fazia todas as noites em que eu contemplava pensando nele, mesmo nos dias em que não estava ao meu lado, parado, calado, sincero, bonito.
Entrei na casa estranha, naquele momento nada mais fazia sentido; os móveis, as plantas, a parede amarela, a casa.
E mesmo sabendo que ele tinha sido tomado pelo breu da noite e o breu discreto e confuso de dentro dele, e eu pelo meu breu cheio de farpas, um breu que ardia, me fazia chorar lágrimas que pareciam sangrar em minha face.
Naquele dia - e isso durou por muito tempo - bastava eu fechar os olhos, que o via deitado em nossa cama; com aquela silhueta que refletia na luz do abajur e desenhava uma outra na parede, só dele; sereno, enrolado em lençóis que acalentavam suas fugas e dores, que se tornavam minhas, também. Pesavam o peso de um engasgo.
De repente me pegava lembrando das inúmeras noites em que eu fingia dormir. Quando aqueles olhos atraentes descansavam, eu descansava os meus em encantamento. Observava ele, tão quieto, tão límpido! Eu sorria, como os sorrisos que eu roubava da felicidade dele, para sonho, meu, nosso.
Mas sonho roubado é sonho irrealizável ou sonho que se esvai no caminhar, caminhar, caminhar; depois vira coisa sem sentido, sem forma, quase uma gestalt e quando você menos espera, é só um ponto no breu. Que some.

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