11.7.07


para complementar o texto, eu sugiro clicar no "play" da música antes de passar a vista nas letrinhas abaixo.

.blanc.
Era uma coisa tão impregnada nela, que parecia ter uma segunda pele naquele corpo; parecia carne, músculo e trazia uma sensação de exalar cheiro.
Sim, exalava cheiro aquela tristeza que tomava ela como um todo!
Era uma moça tão magra, cabelo rente, um olhar baixo que beliscava o peito gritando angústia. Como se alguém chegasse bem perto do meu ouvido e dissesse: É angústia o que ela sente. Não, não... É melancolia!
E eu disse quase que em voz alta pra mim mesmo: É tristeza!
Cinza, cinza; daquelas que se cuidar se cobre num branco e do branco até arrisca um sorriso ou se faz num preto, que de tão preto parece abismo.
Estava lá, a mulher, num vestido verde musgo e chinelo de couro; ela tinha um futrico nos dedos, como quem arranca com as unhas as camadas de pele uma por uma. Cheguei mais perto, em passos mansos pra tristeza dela não rodopiar e virar euforia.
O olhar triste era agora assustado, firme como quem diz: não chega tão perto!
Sentei ao lado da cajazeira, igual a ela. Futriquei a grama e não os dedos. Cabisbaixa, ela me olhava torto, até que numa voz cheia de engasgo, me disse um “oi!”
Perguntei o que ela fazia ali tão sozinha, tão tristonha?
A moça me respondeu com uma única frase: “Tenho mágoa, muita mágoa!”
Pensei: Como haveria de ter tanta firmeza numa frase? Uma moça daquelas, aparentemente tão nova, não deve ainda, ter vivido tempo suficiente para sequer entender a profundidade das coisas, sequer passou por todos os sentimentos soltos na curiosidade de Pandora.
Perguntei se ela sabia o que significava mágoa? Ela me respondeu dizendo que sim. Que era como ter um prego enfiado no peito e que toda vez ao palpitar, ele dava uma pequena e aguda alfinetada por dentro, como se quisesse lembrar que está lá, como se quisesse fazer chorar... E que a mágoa trazia tristeza, que quase sempre comprimia a voz, a respiração e os passos que a destinavam a canto algum.
Assustado com o rebuliço interno da moça, perguntei se ela sabia o que era o perdão?
Ergueu a cabeça como se pesasse trinta quilos e disse: "O significado disso eu ainda não aprendi, mas sei que me traria de volta!"
Eu olhei para ela, agora com um pouco mais de fôlego e lhe expliquei que o perdão tem a cor rosa, como o amor, porque perdoar é se propor a amar novamente.
Pedi que ela fechasse os olhos, botasse a mão esquerda no peito e a outra nos olhos agora fechados, pedi que imaginasse puxando levemente aquele prego, devagar, pra não sangrar, pra não doer... pedi que puxasse toda aquela tristeza que baixava suas pálpebras evitando mostrar suas íris claras.
Agora embrulhe! Embrulhe num papel rosado, amarre com um barbante bem firme, tão firme quanto seus pensamentos e permita-se amar.

Meia hora depois, ela me sorriu bonito, num jeito quase aristotélico de dizer que perdoar é também descobrir a sua essência.

Nenhum comentário: